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9 de janeiro de 2024

Do IPVA ao IPTU: como organizar as “pilhas de contas” e começar 2024 no azul?

 

Especialistas recomendam fazer orçamento completo e antecipar as reservas para as contas de início de ano

Giovanna Sutto

02/01/2024 16h17

Getty Images

Todo início de ano, o ciclo se repete: é preciso se organizar para arcar com a pilha de contas do 1º trimestre, como IPVA, IPTU, matrícula escolar e plano de saúde. Para começar 2024 no “azul”, é fundamental estruturar um planejamento financeiro.

Mas a expectativa não imita a realidade: 77% das famílias brasileiras estão endividadas. Outro dado mostra o tamanho do problema: o Desenrola, programa federal de renegociação de dívidas, já renegociou mais de R$ 18 bilhões em débitos, o que demonstra que a realidade financeira da população tem passado ao largo da organização.

Na transição de um ano para outro, o chamariz para o gasto supérfluo só piora a situação, dizem os especialistas consultados pelo InfoMoney.

“Em épocas de festas é comum que existam campanhas de marketing e muitos estímulos para o consumo desnecessário. Além de descontos, as facilidades de pagamento e acesso facilitado ao crédito tornam as oportunidades de compras muito tentadoras. É importante que as pessoas estejam atentas e evitem cair em tentações não programadas para não desequilibrar o orçamento”, pontua Patrícia Palomo, planejadora financeira CFP.

“O fim e o início de ano são vistos como finais de ciclos e oportunidades de recomeços. Com a organização financeira pode ser assim também, iniciar o ano com um planejamento financeiro pode ser muito benéfico e é uma ferramenta potente para alcançar novos objetivos traçados”, completa a especialista.

Veja, a seguir, como se organizar para começar o ano sem dores de cabeça no bolso.

1. Coloque tudo no papel

Para não se perder na transição de um ano para o outro, a principal dica é visualizar toda sua renda e as despesas, incluindo custos fixos e móveis, não só para janeiro, mas já projetando para todo o próximo ano, mês a mês.

“Não dá para se planejar só com os dados da cabeça. É ideal separar um tempo e organizar com calma a vida financeira. É mais óbvio para quem está no ‘vermelho’, mas mesmo para quem está no azul vale. Se todo mês sobra R$ 1.000, será que não pode sobrar mais?”, questiona Ione Amorim, economista e coordenadora do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor).

O que o consumidor deve fazer é montar seu orçamento e não importa o formato: pode ser literalmente no papel, em um arquivo ou mesmo numa planilha. É possível seguir o seguinte esquema de forma simplificada com receita líquida, despesas com sobrevivência e estoque de dívidas. Veja:

  • adicione todas as receitas que possui por mês – incluindo salário líquido, benefícios como vale-alimentação, 13º, férias, bônus e rendas extras;
  • gastos fixos de cada mês, como água, luz, aluguel, internet, streaming e reservas, mas também gastos como IPTU, IPVA e matrícula escolar, que geralmente estão alocados em janeiro;
  • despesas eventuais: custos com presentes, restaurantes, lazer, etc;
  • todas as dívidas com os juros e valores das parcelas; e
  • estenda essa lógica para os próximos 12 meses.

“Ao visualizar a vida financeira fica mais fácil de entender quais obrigações já foram assumidas pra poder dimensionar o quanto da renda vai sobrar ou faltar para manter o equilíbrio do orçamento”, explica Palomo.

“O que acontece é: a pessoa já gastou e depois que recebe o salário olha para o passado e entende se gastou demais ou não. A projeção é importante para você estar no controle”, explica Cintia Senna, educadora financeira e doutoranda em Educação Financeira pela Florida Christian University (FCU).

2. Separe as dívidas

Caso você tenha dívidas, a renda adicional de final de ano é uma boa oportunidade para reduzir ou quitar os débitos, se possível.

A principal recomendação é, primeiro, separar as dívidas adimplentes, das inadimplentes. “Se você já está no ‘vermelho’, a urgência é clara, mas não pode se esquecer das outras dívidas para que consiga encaixá-las ao mesmo tempo no orçamento”, diz Senna.

Depois, separar as mais caras (aquelas que possuem os maiores juros) para serem quitadas à vista, no melhor cenário, ou para serem renegociadas (de forma parcelada, por exemplo), mas com valores mais acessíveis para serem encaixadas no fluxo mês a mês do orçamento.

“Embora seja difícil, quando se está endividado é preciso ter calma para organizar os débitos e não deixar que a bola de neve aumente. Sabendo quais são as dívidas, os valores, os juros e quais devem ser eliminadas primeiro fica mais fácil pensar em estratégias para quitá-las à vista”, orienta a educadora financeira.

E lembre-se: a inadimplência nada mais é do que ter crédito de novo. “Acessar o crédito significa estar apto a fazer compras, o que significa novo risco de entrar em novas (ou mais) dívidsa. Por isso, é preciso pensar em saídas permanentes”, acrescenta a especialista do Idec.

3. Se organize com antecedência

As contas de início de ano precisam fazer parte do cenário do ano todo. Isso quer dizer que, sabendo que elas chegarão em janeiro, é possível se organizar mês a mês para não passar apertado nesse período.

O superendividamento vem da falta de estratégia neste período mais demandado de contas a pagar. “Se você só olha para as próprias contas quando há um problema e precisa de uma renegociação fica insustentável ter uma vida financeira saudável”, afirma a especialista do Idec.

“Se as despesas de começo de ano, juntas, custam R$ 5 mil, todo mês eu posso juntar uma fatia dessa quantia para fazer o pagamento. Se fizer isso, quando janeiro chegar, não será preciso comprometer a receita extra de fim de ano ou renda do mês. Ao fazer isso, você pode ganhar desconto ao pagar IPTU ou IPVA à vista. A mesma lógica pode valer para os presentes do ano, por exemplo”, afirma Luan Correia, analista sênior de educação financeira da Unicred.

4. Faça sua reserva e/ou invista

Se o consumidor, por outro lado, não tem dívidas, pode aproveitar o saldo que sobrar para construir a reserva de emergência ou até mesmo investir.

A recomendação para a reserva de emergência é ter um valor entre seis meses e um ano de salário para lidar com imprevistos com a entrada de renda. Neste fim de ano, o consumidor pode adicionar parte do que sobrar à sua reserva.

“Poupar dinheiro é a forma de colocar os sonhos da família em prática. Faz parte do orçamento também se organizar para guardar e fazer o dinheiro render mais”, ressalta Senna.

InfoMoney tem um guia sobre como construir a reserva de emergência e um conteúdo sobre como começar a investir. Quem já investe também pode acompanhar as reportagens sobre o tema. 

5. Não tem dívidas?

Além de poupar e investir, se o consumidor não tem dívidas não deve deixar de se organizar para aproveitar e desfrutar dos valores acumulados.

“O dinheiro é só uma ferramenta de troca. E muitas vezes você troca o dinheiro pelo seu tempo. No trabalho costuma ser assim. Pensando dessa maneira, tudo o que se consome é meu tempo que eu gasto. Ter esse olhar incentiva a entender se você está gastando seu dinheiro da melhor forma. Isso vale para repensar alguns hábitos para curtir e aproveitar um tempo com a família e amigos”, avalia Senna.

Correia, da Unicred, acrescenta que é importante avaliar o próprio momento de vida. “Se a pessoa está no ‘azul’, gastar o dinheiro extra de fim de ano para uma viagem, por exemplo, faz parte do planejamento. O problema é se estiver endividada e precisar quitar as dívidas e mesmo assim mantém o plano de viajar. Às vezes, essa ponderação é o maior desafio”.

E o Desenrola vai dar certo?

O programa de renegociação de dívidas ganhou mais prazo, para até março de 2024, tamanho foi o sucesso entre os brasileiros. Mas a pergunta que fica é: o modelo vai ajudar a população a sair do ciclo de endividamento? Ainda restam dúvidas.

“Existe o risco de o endividamento voltar pelo menos para parte do público que precisou do programa. Todo o programa olha para dívidas inadimplentes até 2022. E se a pessoa estiver com dívidas em 2023? Endereçou somente parte do problema”, avalia Senna.

Na visão da planejadora financeira Patricia Palomo, as iniciativas para a renegociação dos passivos da população superendividada são importantes, porém não suficientes se tomadas de forma isolada.

“O processo de superendividamento se dá por diversos fatores (objetivos, cognitivos e emocionais), que se não forem sanados ou amenizados junto com as dívidas podem fazer com que o comportamento de contrair novas contas sem planejamento volte a acontecer e comprometer novamente o equilíbrio financeiro das famílias”, diz.

Ione Amorim, do Idec, também reforça o coro. “A capacitação financeira para usar o programa não foi mandatória. Quantos dos milhares que foram buscar tiveram a curiosidade de entender o acordo? Analisar sua capacidade financeira? Não sabemos”, diz.

Na visão dela, o Desenrola é um reabilitador para o consumo de crédito. “Os bancos concedem crédito sem analisar a capacidade de endividamento. Mas o crédito bom é o que acaba e permite que a pessoa pague sua dívida e depois contraia outro”, avalia a economista do Idec.

Para saber os resultados efetivos do programa é preciso esperar o governo federal divulgar alguns dados — ainda não confirmados; e ou acompanhar os índices de inadimplência a partir de janeiro, para radiografar a nova situação, finaliza Correia, da Unicred.

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