Educação Financeira
25 de dezembro de 2024

Educar nova geração é aposta para despertar cidadania financeira em brasileiros, dizem especialistas

 

Um estudo revelou que a maioria dos jovens com idades entre 18 e 24 anos tem alguma fonte de renda e ajuda nas despesas de casa, mas quase metade da chamada Geração Z, composta por pessoas nascidas entre 1995 e 2010, não administra as próprias finanças.

As dívidas têm sido o dilema de muitas famílias. No país, 8 em cada 10 pessoas estão endividadas, segundo uma pesquisa da Serasa. Nesse cenário, investir em educação tem sido a aposta para despertar cidadania financeira em brasileiros. E a escola, como base da formação de cada indivíduo, é escolhida por muitos como o local de transformação.

Educação é um dos pilares da cidadania financeira

Em setembro de 2024, o Brasil registrou 72,64 milhões de pessoas em situação de inadimplência, segundo o “Mapa da Inadimplência e Negociação de Dívidas no Brasil” da Serasa. Além disso, dados da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) indicam que, em novembro deste ano, 77% das famílias brasileiras estavam endividadas, um aumento em relação aos 76,6% registrados no mesmo período de 2023.

Nesse contexto, a cidadania financeira entra como um dos pilares para construir uma sociedade mais justa, equilibrada e sustentável economicamente. Esse conceito usado pelo Banco Central (BC) combina a educação financeira com o exercício dos direitos e deveres econômicos no contexto de uma sociedade. Uma das formas de desenvolver esse tipo de cidadania é por meio da educação, investindo em programas escolares e comunitários que abordem finanças de forma prática.

Em 2017, a educação financeira foi incluída como tema transversal na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento que define os conhecimentos essenciais que os alunos da educação básica devem aprender. Assim, o assunto pode ser contemplado em várias disciplinas. Mas, sua efetividade depende da aplicação prática pelas escolas e do engajamento dos professores e gestores escolares.

Professora cria cidade fictícia e ensina finanças em escola

Aprender desde cedo como gerenciar as finanças pode facilitar muito a vida adulta. Com este pensamento, a professora Sônia Alexandre Ribeiro decidiu implantar no Centro de Ensino em Período Integral (Cepi) Francisco Maria Dantas, de Goiânia, o projeto de educação financeira “Cidade Inteligente na Mente”.

Voltado para os 240 estudantes de 6° e 7° anos do ensino fundamental, o projeto promove, a partir da simulação de construção de uma cidade, habilidades de gestão financeira e cidadania fiscal. O objetivo é ensinar aos jovens conhecimentos matemáticos, com práticas da educação financeira, tributária, investimentos e vendas, além de incentivá-los a realizar as atividades em sala de aula.

No projeto, os alunos começam as atividades sem saldo e vão ganhando dinheiro fictício ao longo das aulas. A cada mês, com as aulas, atividades e exercícios, os estudantes aumentam as porcentagens do “salário” por cumprir a obrigação. As atividades na cidade refletem situações reais, já que os estudantes passam a desempenhar funções no município imaginário.

Alunos aprendem na prática

“Eles tomam decisões, correm atrás, investem dinheiro, sabem onde investir melhor, se é na renda fixa ou na renda variável, eles sabem o que é reserva de emergência e que precisam ter uma reserva de emergência para administrar a vida financeira e juntar dinheiro para comprar o lote na cidade inteligente”, disse Sônia Alexandre.

A professora explica que a ideia surgiu da própria experiência de vida, das dificuldades e do difícil acesso a conhecimentos sobre investimentos. “Agora que represento o Estado, me sinto na obrigação de passar esses ensinamentos aos meus alunos, para que eles tenham mais facilidade em lidar com dinheiro na vida adulta”, destaca.

Empoderamento

Sônia Alexandre revela que a cidade Inteligente é uma forma que ela encontrou de empoderar os alunos com conhecimentos úteis. “Eu quero que eles conheçam o ciclo do dinheiro, os impostos e os investimentos antes de entrar no mercado de trabalho porque assim eles terão escolhas e não só irão trabalhar para o dinheiro, mas vão fazer o dinheiro trabalhar para eles”, explicou a professora.

Com o projeto, a escola conseguiu 20 medalhas na Olimpíada do Tesouro Direto de Educação Financeira (OLITEF), realizada neste ano em todo o país. Enzo Leonel, aluno do 7° ano e segundo lugar na olimpíada, já está colocando em prática na realidade o que aprendeu na cidade fictícia. “Já estou investindo no CDB pré-fixado para no futuro ser mais livre financeiramente”, disse o estudante.

Um CDB (Certificado de Depósito Bancário) prefixado é um investimento de renda fixa em que a taxa de juros é definida no momento da aplicação e permanece fixa até o vencimento. É um investimento de baixo risco, considerado conservador. E oferece previsibilidade no rendimento, pois o investidor já sabe quanto vai receber.

Nova Geração

Aos 14 anos, Maria Luiza Lira, mais conhecida como Malu Finanças, faz parte de uma nova geração que fala de finanças desde cedo. A estudante já escreveu 15 livros sobre o universo financeiro com uma linguagem simples voltada para os pequenos. Além disso, a amazonense é idealizadora de um projeto que já levou educação financeira a mais de 100 escolas brasileiras.

“Como sabemos, a maioria dos brasileiros não lida bem com suas finanças e, por isso, acaba transmitindo esses mesmos hábitos para suas famílias. Mas, quando as crianças passam a ver uma história diferente, com um exemplo positivo em relação às finanças, elas se inspiram para mudar suas atitudes com o dinheiro e aprendem a usá-lo com sabedoria”, disse a influenciadora.

Segundo Malu, a relação com o dinheiro pode ser positiva. “Sempre gostei de dinheiro e o via como um pedaço de papel que nos ajuda a chegar mais perto dos nossos objetivos e também nos permite ajudar outras pessoas”.

A estudante começou desde pequena a ganhar o próprio dinheiro e a guardar. “Com 6 anos, vendia bolos com a ajuda da minha mãe e, mesmo antes disso, já guardava todas as moedinhas que encontrava em um cofrinho de lata que fazia”. E os pais tiveram participação essencial na formação da influenciadora. “Apesar de meus pais não terem tido educação financeira na infância, eles sempre me falavam sobre a importância de gastar menos do que se ganha e de economizar”, afirma.

A escritora acredita que ter um sonho em mente ajuda a manter o foco e a controlar suas atitudes para manter bons hábitos financeiros. “Defina os sonhos que você deseja realizar no futuro e crie um planejamento para alcançá-los. Se você sonha em ter um carro próprio, a melhor maneira de fazer isso não é se endividar ao pegar um empréstimo que não pode pagar, mas sim planejar a longo prazo, investindo parte do seu dinheiro mês a mês para atingir essa meta”, explica.

O Projeto Malu Finanças na Escola utiliza os próprios livros da escritora como material paradidático na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental. Por meio de contação de histórias, brincadeiras, leituras, dinâmicas e conversas com os alunos, ela trabalha ensinamentos financeiros de forma divertida.

Para a palestrante “a escola é a base da formação de cada indivíduo, e é por meio dela que podemos transformar a vida dos alunos. Afinal, independentemente da profissão que eles escolham para o futuro, todos precisarão saber como usar o próprio dinheiro”, afirma.

Controle financeiro

Nem toda nova geração tem o controle sobre suas finanças. Um estudo revelou que a maioria dos jovens com idades entre 18 e 24 anos tem alguma fonte de renda e ajuda nas despesas de casa, mas quase metade da chamada Geração Z, composta por pessoas nascidas entre 1995 e 2010, não administra as próprias finanças.

O economista Danilo Orsida acredita que a Geração Z vive no mundo da pós-modernidade, ou seja, da fluidez marcada pelo desapego, do imediatismo, que prefere compartilhar alugando carros e casas, e sem muito interesse pela aquisição de bens materiais. 

“Esse comportamento revela esse mundo pós-moderno de desapego em que prevalece a vivência das experiências do que a previsibilidade e o futuro.” 

O economista lembra que vivemos em uma sociedade marcada pelo consumo e a educação financeira pode cooperar para que as pessoas possam fugir do endividamento e criem patrimônio. “A educação financeira é um caminho que permite um cenário mais interessante diante do endividamento no país”, conclui.

Conforme a pesquisa, 47% desses jovens não realizam o controle das finanças pessoais. A principal justificativa é o fato de não saber fazer (19%), sentir preguiça (18%), não ter hábito ou disciplina (18%) ou não ter rendimentos (16%).

Os dados foram levantados em um estudo conduzido pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), que avaliou hábitos de gestão das finanças pessoais desse grupo.

Para Hélia Gonçalves, superintendente executiva da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Goiânia, os números revelam uma interação bastante complexa entre a fonte de renda e a gestão financeira pessoal desses jovens.  “A mudança desse cenário requer uma abordagem que envolve tanto a educação financeira, para a criação de novos hábitos, mas também trabalhar uma cultura de valorização do planejamento financeiro”, explica.

Além disso, a gestora indica que “para quem está iniciando na vida financeira é importante criar um orçamento doméstico com todas as entradas e saídas para entender para onde está indo o seu dinheiro”, esclarece.

Comportamento consciente

Reinaldo Domingos, presidente da Associação Brasileira de Profissionais de Educação Financeira (Abefin), expõe que “a introdução da educação financeira desde cedo é essencial para formar uma nova geração mais consciente e responsável com o dinheiro. Ao ensinar as crianças e jovens a lidarem com o orçamento, o consumo consciente e o planejamento, estamos dando a eles ferramentas para tomar decisões financeiras mais acertadas no futuro, evitando endividamento e impulsividade”.

“A educação financeira não se trata apenas de ensinar a equilibrar orçamentos, mas de construir um comportamento consciente em relação ao dinheiro, o que é fundamental para evitar o consumismo e promover o planejamento a longo prazo”, completa. Ainda, como analisa o presidente da Abefin, “quando ensinamos as crianças desde cedo a diferenciarem desejos de necessidades, elas se tornam mais aptas a tomar decisões financeiras equilibradas, o que impacta diretamente na saúde financeira ao longo da vida”, conclui.

Kallenya Lima, educadora financeira e mãe do Pedro de 6 anos, afirma que “educação financeira é justamente para ensinar a pessoa a fazer a melhor escolha com algum recurso que ela tem. Nesse caso, com o dinheiro. Então, é importante mostrar o valor do dinheiro a partir de comparações com outros itens que estão no consumo no dia a dia da criança, para ela ter essa percepção”.

A profissional também recomenda que os pais façam planejamento familiar com a participação da criança para perceber que o uso do dinheiro é todo planejado, não são tomadas decisões aleatórias e repentinas.

Como mãe, a educadora financeira já passa seus ensinamentos para o filho. “Ele já faz as próprias escolhas, já tem algum tempo, desde quando ele começou a pedir. Com seis anos, ele mesmo já começa a ter uma certa percepção de que algo está caro”, explica Kallenya Lima.

Família também tem papel primordial na educação financeira

Daniela Alves, Psicóloga Clínica Infanto-Juvenil e Adulto, analisa que é preocupante o descontrole de muitos jovens com o dinheiro, o que pode partir da necessidade de pertencimento a certos grupos que estimulam o consumismo, como alguns influenciadores digitais.

Para a profissional, “é muito importante que a gente fale e ensine sobre educação financeira para as crianças desde cedo. E que a gente estimule as habilidades como organização, responsabilidade e tomada de decisão na infância”

A psicóloga lembra ainda que a primeira forma de aprendizado da criança é por meio da imitação e, portanto, a família também tem papel primordial nessa formação. “A melhor forma de mostrar a lidar com o dinheiro é por meio da família, ensinando a lidar com ele, sem desperdícios na hora do consumo”, explica.

Daniela Alves explica que muitos pais querem dar aos filhos tudo que não tiveram ou uma vida mais confortável, mas esquecem de que muitos dos desafios que vivenciaram os tornaram quem são hoje, ou seja, foi importante durante o processo de formação daquele caráter. Além disso, conforme a profissional, “as dívidas na vida adulta podem trazer consequências na saúde mental”. O que reforça ainda mais a importância de educar os pequenos a como se relacionar com o dinheiro.

Para ela, várias estratégias podem ser usadas, como, por exemplo, mesada, cofrinho e quadro de recompensas. Mas o ensinar deve acontecer de forma leve, lúdica e os pais devem lembrar que as crianças estão sempre os observando.

Fonte: Mais Goiás

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