
14 de agosto de 2025
Inadimplência alta exige foco em prevenção
Mesmo com o programa Desenrola Brasil e o aumento das contratações formais, o número de endividados no país cresce. Foco deve ser também em medidas de prevenção
A crise financeira no Brasil não está restrita ao governo federal, que enfrenta um grave embate com o Congresso Nacional e, para piorar, está às vésperas de um tarifaço de 50% sobre os produtos nacionais prometido pelos Estados Unidos. Hoje, 77,8 milhões de brasileiros — 800 mil a mais do que em junho último — sofrem devido às dívidas que não foram honradas. O total dos débitos da inadimplência chega a R$ 477 bilhões, conforme levantamento da Serasa Experian.
O valor médio por devedor é de R$ 6.128,26, superior à maior renda média do país: de
R$ 5.043 no Distrito Federal. No restante do Brasil, o salário médio, dependendo da atividade laboral e escolaridade, está em torno de R$ 3,5 mil. Sair do atoleiro financeiro é bem difícil e torna a inadimplência uma das grandes tormentas enfrentadas pela maioria da população. Para grande parte dos devedores, não há solução no curto prazo.
Vários motivos explicam a crise na maioria dos lares, como falta de planejamento e de reserva financeira, desequilíbrio nos contas pessoais e domésticas, uso inadequado do cartão de crédito, juros altos, situações inesperadas, gastos com saúde, desemprego e falta de educação financeira. O programa Desenrola Brasil, lançado em 2023 pelo governo federal, aliviou a situação de 15 milhões de brasileiros ao fixar em 1,99% a taxa de juros mensal para pessoas físicas inadimplentes que buscaram a renegociação de suas dívidas com os bancos. Porém, foi insuficiente para resgatar a maioria dos endividados.
Em outra frente, o desemprego vem diminuindo. Em junho último, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelou uma queda de 6,2% em relação ao trimestre anterior, encerrado em maio. Mas o aumento de contratações também não foi suficiente para que houvesse redução expressiva das dívidas acumuladas por quase 80 milhões de brasileiros.
A avaliação do porta-voz da Serasa Experian, Giovani Inocente, é de que a maioria dos brasileiros não está preparada para bancar situações inesperadas. “Qualquer imprevisto já desestabiliza o orçamento, o controle se perde e a dívida cresce rapidamente por causa dos juros”, declarou ao Correio. Essa realidade reforça a necessidade de fortalecimento de medidas focadas na prevenção, como a popularização da educação financeira e melhor controle de excessos cometidos pelas instituições do setor.
Na avaliação do especialista e PhD em educação financeira Reinaldo Domingos, o sistema atual de crédito e consumo “deixa as pessoas vulneráveis a escolhas financeiras equivocadas”, facilitando o endividamento. Dessa forma, o quanto antes as pessoas entenderem como lidar com o próprio dinheiro e identificarem armadilhas do mercado, melhor. Estudiosos da área recomendam que orientações nesse sentido sejam obrigatórias já no ensino médio.
Quanto aos abusos do mercado, há projetos tramitando no Congresso que visam coibir a prática, como a PEC que estabelece como limite para os juros cobrados por instituições o equivalente a três vezes a taxa Selic, a taxa básica de juros da economia brasileira. Hoje, em caso de cobrança exorbitante, o inadimplente pode recorrer ao programa de renegociação, conforme estabelece a Lei nº 14.690/2023, que impede o estabelecimento de taxa de juros que supere 100% do valor da dívida original.
Nesse sentido, como um enfrentamento mais imediato à crise financeira que assola os brasileiros, os instrumentos legais que auxiliam os endividados precisam ser popularizados. Campanhas encabeçadas pelo poder público e iniciativas da sociedade civil organizada podem ajudar.