Educação Financeira
15 de agosto de 2025

Inadimplência bate recorde no Brasil e escancara falta de planejamento financeiro

 

Com mais de 77,8 milhões de brasileiros negativados, cartão de crédito lidera como principal fonte das dívidas; especialistas alertam para armadilhas do consumo e defendem educação financeira como ferramenta essencial

Crise silenciosa: inadimplência atinge patamar alarmante

O Brasil enfrenta uma das piores crises de inadimplência de sua história recente. Dados de junho do Mapa da Inadimplência da Serasa revelam que 77,8 milhões de brasileiros estão com o nome negativado — o equivalente a quase 39% da população adulta. Cada inadimplente acumula, em média, uma dívida de R$ 6.128, sendo o cartão de crédito o principal responsável, com 27,5% do total de débitos registrados.

No Distrito Federal, a situação é ainda mais crítica: 61% da população adulta enfrenta restrições de crédito, o segundo pior índice do país. Apesar da realização de mais de 64 mil renegociações recentes, a recuperação financeira continua distante da realidade de boa parte da população.

Histórias que refletem a estatística

O drama da inadimplência se traduz em histórias como a de Fernanda Mori, de 25 anos, auxiliar de logística em Brasília. Com dívidas acima de R$ 1 mil, ela viu sua situação se agravar após recorrer ao cartão de crédito para cobrir despesas básicas. “A fatura virava uma bola de neve. Não conseguia pagar o total e a dívida só aumentava”, relata. Hoje, evita o uso do cartão e dá preferência ao Pix ou débito, mas admite: ainda não há previsão para se livrar dos débitos. “Talvez quando conseguir um emprego melhor e aparecerem condições mais acessíveis.”

Outro caso é o de Eduardo Lugli, 45, contador, que enfrentou dificuldades semelhantes ao tentar proporcionar uma vida mais confortável para a família. “Sem planejamento e com o custo de vida aumentando, as dívidas se acumularam. Acabamos usando o cartão para despesas básicas, o que só empurra o problema para o mês seguinte”, conta. Ele agora planeja cortar gastos e renegociar débitos com condições mais justas.

Cartão de crédito: vilão ou ferramenta mal utilizada

Segundo a Serasa, bancos e cartões de crédito são os maiores responsáveis pela negativação no país, seguidos por contas de serviços essenciais (20,7%), financeiras não bancárias (19,4%) e outros serviços (11,8%). Para Giovani Inocente, porta-voz da Serasa, o crédito rotativo é especialmente danoso em um cenário de juros elevados. “A ausência de reserva financeira faz com que qualquer imprevisto desestabilize o orçamento. E os juros do cartão fazem a dívida crescer de forma agressiva”, alerta.

Apesar disso, especialistas ponderam que o cartão de crédito pode ser um aliado — desde que usado com responsabilidade. O consultor Rogério Olegário, da Libratta, defende o uso consciente do cartão como meio de pagamento vantajoso. “Acumulo pontos e descontos em diversas áreas. Mas é fundamental lembrar que o cartão não deve ser visto como fonte de crédito, e sim como ferramenta de pagamento.”

O professor Jurandir Sell, da UFSC, reforça essa visão com uma analogia direta: “É como dirigir um carro. Se você não sabe usar, o risco é enorme. O cartão pode ser útil, mas exige maturidade financeira.”


Programa Desenrola: alívio limitado

O programa Desenrola Brasil, criado pelo governo federal, beneficiou cerca de 15 milhões de pessoas. Ainda assim, os indicadores de inadimplência não mostram melhora consistente: em maio, eram 77 milhões de negativados; em junho, 77,8 milhões. Segundo Inocente, a medida teve impacto positivo na economia, mas não alterou o comportamento financeiro dos brasileiros. “Seguimos atuando de forma reativa. Falta cultura de prevenção.”

Educação financeira: o ponto cego do sistema

Para o especialista e PhD em Educação Financeira Reinaldo Domingos, a raiz do problema está na falta de conhecimento. “O brasileiro usa o crédito sem entender suas implicações. Soma-se a isso uma cultura de consumo imediato e parcelado, alimentada por um sistema que oferece crédito fácil, mas pouca orientação.”

Ele alerta para o risco de um ciclo vicioso, no qual o combate às dívidas se limita aos efeitos, sem enfrentar a causa: a falta de conscientização financeira. “Enquanto não houver uma política estruturada de educação financeira, as famílias continuarão vulneráveis.”

Saúde financeira começa no básico

Diante do cenário atual, especialistas recomendam o tripé: planejamento, reserva de emergência e consumo consciente. Mais do que cortar gastos, é preciso entender prioridades, manter flexibilidade no orçamento e resistir às armadilhas do crédito fácil. A inadimplência, que hoje atinge quase quatro em cada dez brasileiros, exige respostas urgentes — e começa por uma mudança de cultura financeira.

(Com Raphael Pati / Correio Braziliense)

Fonte: Click News

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