
3 de setembro de 2025
Estudo indica que a maioria não sabe quanto paga de juros no consignado privado
Uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Profissionais de Educação Financeira (ABEFIN), em parceria com o Instituto Axxus de Pesquisas, ligado à Unicamp, revelou um dado alarmante: 69% das pessoas que contrataram o crédito consignado privado, também chamado de “Crédito do Trabalhador”, não sabem o impacto das parcelas em suas finanças.
O levantamento, feito em junho com 400 entrevistados, mostra ainda que 83% não sabem informar a taxa de juros que pagam e 9% não têm certeza do valor. A margem de erro é de 4% e o nível de confiança é de 95%.
Criado pelo governo federal em março deste ano, o produto financeiro permite que empresas conveniadas ofereçam empréstimos com desconto direto em folha, comprometendo parte do salário e até recursos do FGTS.
Motivos para contratação do crédito
Troca de dívidas e emergências
O estudo indica que 36% dos entrevistados recorreram ao consignado privado para substituir dívidas mais caras. Em seguida, aparecem despesas emergenciais, como gastos com saúde (29%) e reformas ou manutenção da casa (26%).
Consumo e outros usos
Apesar do apelo de ser um crédito com juros menores que os do cartão de crédito ou cheque especial, o consignado privado também tem sido usado para consumo: 19% adquiriram eletrodomésticos e outros 19% compraram veículos. Apenas 6% citaram “outros motivos”, como ajudar familiares.
Muitos participantes declararam mais de um motivo para a contratação, o que reforça a diversidade de usos, mas também indica falta de planejamento e clareza sobre as consequências financeiras.
Especialistas alertam para risco de armadilha
O presidente da ABEFIN, Reinaldo Domingos, afirma que há uma tendência perigosa na relação dos trabalhadores com o crédito:
“Estamos assistindo à naturalização da renúncia ao futuro em nome da urgência. É como cortar a rede de segurança para apagar um incêndio momentâneo”, disse.
Para ele, comprometer parte do salário sem entender o custo total não é uma decisão racional, mas motivada por pressão emocional ou desespero.
O grande problema é que 54% dos entrevistados afirmam não ter recebido nenhuma orientação sobre a linha de crédito antes da contratação. Outros buscaram informações por conta própria: 24% na internet, 9% com familiares, 9% pela imprensa e apenas 5% diretamente no site da instituição financeira.
Falta de orientação e responsabilidade compartilhada
Domingos critica a ausência de informação clara e acessível:
“É inaceitável que um produto financeiro com esse impacto seja oferecido sem orientação adequada. A responsabilidade não pode ser jogada apenas nas costas do trabalhador.”
Segundo ele, o consignado privado pode ser útil, mas exige planejamento e compreensão do custo efetivo total. Sem isso, a linha se transforma em um caminho para o endividamento estrutural.
Recomendações para evitar prejuízos
Educação financeira obrigatória
A ABEFIN defende a criação de mecanismos de educação financeira antes da contratação, para que o trabalhador compreenda a diferença entre taxa nominal, taxa efetiva e impacto no orçamento.
Mais transparência
A entidade também sugere que as simulações apresentem claramente o custo efetivo total da dívida e a parcela do salário comprometida.
Comparação de taxas
Outra proposta é o desenvolvimento de uma plataforma pública de comparação de taxas e condições, permitindo que os trabalhadores escolham a opção mais vantajosa.
Fiscalização rigorosa
Por fim, a associação cobra maior fiscalização sobre as instituições financeiras, para garantir que não haja práticas abusivas na oferta do consignado privado.
Impacto no FGTS e nas rescisões
Uma característica que diferencia o consignado privado é a possibilidade de utilizar até 10% do saldo do FGTS e até 100% da multa rescisória como garantia do pagamento.
Embora essa condição possa reduzir a taxa de juros, ela expõe o trabalhador a riscos futuros, como ficar sem recursos em caso de demissão ou necessidade emergencial.
A urgência de políticas públicas
O cenário traçado pelo estudo mostra que, embora o acesso ao crédito seja um instrumento de inclusão financeira, ele precisa vir acompanhado de informação e planejamento. Caso contrário, transforma-se em um problema social, com impacto direto na renda e na estabilidade financeira das famílias.
“A inclusão financeira não é só dar acesso ao crédito — é garantir que ele seja usado de forma consciente e sustentável.”